Gyaru: morto ou underground?


SOCORRO! Quero voltar a ser gyaru!
Não, não vou deixar de ser pin-up se eu voltar a ser gyaru... E sendo sincera, minhas tentativas de gyaru foram bem falhas. Talvez eu não queira nem voltar, mas fazer direito dessa vez. De qualquer forma, tive até blog sobre isso. Está online ainda, caso interesse alguém (deixando a vergonha exposta pro mundo, dá-lhe Amyh! Pelo menos o layout é lindo, foi uma amiga que fez). Enfim.Quem acompanha o blog pelo pin-up e retrô deve estar se perguntando:


O QUE RAIOS É GYARU?

A palavra é o "katakanês" (ou "inglês ajaponesado") de "Gal", que além de ser uma gíria para "girl", é o nome de uma marca de jeans dos anos 70. O estilo surgiu durante os anos 90 entre garotas colegiais (as chamadas "kogals" ou "kogyaru") com um único propósito: rebelar contra os padrões de beleza do Japão e quebrar normas sociais. Só de olhar para uma dessas garotas, é visível que são o extremo oposto do que é considerado belo entre os japoneses: pele bronzeada, cabelo descolorido e roupas curtas. Alguns sub-estilos, como ganguro e manba, têm maquiagem extremamente chamativa que não tem a intenção de ser bonita, mas sim chocante. Por causa das kogals, é comum que, mesmo após a graduação, continuem vestindo uniformes casualmente.

Kogal

Manba

O estilo ganhou várias vertentes e revistas, que são consideradas quase como "bíblias" por conterem tutoriais de cabelo e maquiagem, várias montagens de outfit, reportagens sobre lifestyle e muito mais. Uma dessas revistas, a Koakuma Ageha (que ilustra a primeira imagem do post), era inicialmente voltada exclusivamente para gals que trabalham como hostess (acompanhantes de luxo - não exatamente prostitutas, mas garotas que você paga em um bar para conversar e beber com você, como se fosse sua "date"). Com a popularidade do estilo, passou a ser mais abrangente, mostrar também Hime Gyaru e as gals que se vestem como as da revista (cabelos grandes, maquiagem dramática, muitos babados mas com uma cara bem mais madura que kogal) foram chamadas de "agejo". Com a revista Popteen, vertentes mais "diluídas" como Himekaji, Romagyaru e Shiro Gyaru ganharam visibilidade, enquanto a Egg, a mais tradicional, era responsável por levar os sub-estilos mais extremos, divertidos ou "raiz", como Kuro Gyaru, Amekaji, Ganguro/Manba e Kogal, e tinha o slogan "Get wild & be sexy". Resumidamente, gyaru ganhou vertentes o suficiente para agradar à todos os gostos. E acreditem, eu nem mencionei todos.

Uma das coisas mais legais sobre as revistas é que elas sempre abriam audições e permitiam que as leitoras enviassem cartas com fotos e informações para que elas pudessem vir a se tornar modelos fixas nas publicações, logo todas as garotas que apareciam ali realmente faziam parte do estilo e frequentavam a cena.

Kumiko Funayama, a modelo que mais ilustrou capas na Popteen

Mas se acha que gyaru é só roupa, está enganado! É uma sub-cultura completa: elas frequentam festas eletrônicas, vão sempre em máquinas purikura, e são a "face" do para-para, estilo de dança que utiliza música eurobeat e movimentos rápidos e combinados com as mãos (a Egg postava e ainda posta vídeo com suas modelos dançando), além de que encontros e círculos se concentravam em maioria em Shibuya, o maior centro comercial de Tóquio e todo o Japão. Um fun fact pouco conhecido é que elas também têm seu próprio "código morse", o Gyaru-Go (ou Gyaru-Moji), utilizado em mensagens de texto (clique aqui para saber mais, em inglês), e consequentemente surgiram gírias próprias. Outra característica comum e muito notável no lifestyle gyaru é o amor pelo decoden: o hábito de decorar aparelhos eletrônicos (em especial celulares) com cristais e tudo que há de mais fofo, mas obviamente não se limitava à gadgets e é possível decorar tudo que você quiser - até comida.


QUANDO GYARU DOMINOU O JAPÃO (E O MUNDO)

Encontro do International Gyaru Lovers

O Black Diamond Circle, o círculo gyaru mais popular de Tóquio, afirma ter como missão "fazer com que todas as garotas do mundo sejam gyaru" e buscam "dominação global". No final dos anos 2000 e início de 2010, gyaru ganhou uma popularidade enorme não só pelo Japão como pelo mundo, inclusive no Brasil. Artistas como Ayumi Hamasaki e Koda Kumi, que foram modelos das revistas, estavam em alta na Ásia e dominando charts. Sakurai Rina, uma das principais modelos da Ageha, protagonizou o longa "Girl's Life" sobre as dificuldades de ser uma hostess. Tsubasa Masuwaka, ex-Egg Model, lançou a marca de cosméticos para olhos Dolly Wink (e uma outra para rosto e lábios, a Candy Doll) e estreou no mercado da música com o pseudônimo de Milky Bunny. E pasmem, teve até celular smartphone da Popteen e até animes e mangás! 

Adeptos e entusiastas de cultura pop e moda japonesas talvez lembrem sobre como 2012 foi um ano badalado para as gals. Com o "boom" também surgiram vários blogs entre as ocidentais, para ajudar a espalhar informação e compartilhar download de scans de revistas, assim como fóruns, grupos no Facebook e comunidades no velho Livejournal. Como gyaru ganhou vertentes que são mais fáceis de agradar, muita gente se arriscou a tentar, porém passou a ser mais sobre estética do que uma subcultura. Sendo assim, as publicações passaram a diluir o visual cada vez mais para agradar ao gosto popular, até que...

GYARU ESTÁ MORTO...

Via Japan Trend

Lembro de ser mais uma tarde comum, eu estava usando o Facebook pelo celular após a aula, quando a bomba aparece no meu feed: A Ageha acabou, junto com suas revistas irmãs (Ane Ageha, I Love Mama, Nuts). Olhei para a capa da última edição e eu não reconhecia nada ali: não parecia ser a revista que faltava cospir glitter na sua cara, e Sakurai Rina não parecia nada com ela mesma! Onde estavam os cabelões? Looks ousados? Maquiagem dramática?

Exato um mês depois, a Egg também anuncia que irá pendurar as plataformas. O fim da Ageha chocou muita gente, mas a Egg fechar era o próprio apocalipse gyaru. Junto com as revistas, lá se foram as marcas La Parfait (de Hime Gyaru), Alba Rosa (manba), e a D.I.A, a marca que vendia o tão sonhado cinto cheio de correntes dificílimo de se conseguir, virou mais uma loja de roupas qualquer. A Popteen "se converteu" para o mainstream, enquanto Liz Liza, Ank Rouge e Tralala só não faliram por serem marcas de vertentes mais básicas. 

H&M em Shibuya
Via Tokyo Fashion

Qual seria o motivo para o fim do gyaru? Muitos acreditam que é resultado da entrada de marcas de fast fashion ocidentais no Japão. H&M, Zara, Uniqlo (que é japonesa mas se parece muito com lojas que temos por aqui), Forever 21, etc., tiveram um acréscimo nas vendas nos últimos anos. Embora esse argumento seja bom, não acredito que ele é o maior responsável pelo declínio do gyaru - afinal, é um estilo que, dependendo da vertente, é extremamente fácil montar um outfit com roupas de fast fashion.

Como dito pela Kumiko Funayama em uma entrevista que a questionou tal declínio, ela afirmou que o hype das idols contribuiu para que os ideais de garota pura e comportada, com cabelo e maquiagem naturais, voltassem com força. Ninguém mais quer ser uma sex symbol como a Koda Kumi - a moda agora é ser uma AKB48. Idols propagam uma imagem tão submissa da mulher que a ex-integrante Minami Minegishi teve o cabelo raspado e foi forçada à "pedir desculpas" aos fãs em vídeo por ter sido flagrada saindo da casa de um suposto namorado, e você pode assistir ao documentário "Tokyo Idols" para se informar sobre o quão abusiva é a indústria. Ironicamente, alguns clipes têm apelo sexual de uma forma "fofinha", visando o público masculino adulto e reforçando uma objetificação sobre uma mocinha frágil. De qualquer maneira, grupos idol estão bombando, ganhando animes e jogos como iDOLM@STER e Love Live!, e ninguém se importa com o que acontece nos bastidores. Ninguém quer ser "selvagem e sexy", nem chocar. E claro, por causa da febre do K-pop, para-para acabou sendo substituído. 

Outra "teoria" é que algumas vertentes são bem difícieis de sustentar à longo prazo, em especial Manba, Kuro Gyaru e Hime Gyaru. Embora existam modelos na faixa dos 30 anos e revistas e vertentes voltadas às mais velhas, com a idade, casamento e filhos, vai ficando complicado manter o estilo, além da falta de motivação por parte de alguns e o medo de ser julgada por se vestir daquela forma com tal idade. 

Ainda tem quem diga que gyaru começou a ter a moral questionada, e teve gente leiga afirmando que se faz blackface no estilo. Por favor, não vamos confundir os dois: blackface é difamar uma raça e uma cultura, fazendo piada do rosto de uma pessoa negra. Gyaru utiliza bronzeado, não há intenção alguma de se parecer com uma pessoa negra ou difamá-la, nem de ser uma "Kylie Jenner" japonesa, inclusive há muitas garotas negras na comunidade ocidental rebatendo tais críticas. 

... VIDA LONGA AO GYARU

Novas e atuais modelos da Egg

Fevereiro de 2018: Egg anuncia retorno como revista digital. Boom. Tá pouco? Ageha também voltou. E ganhou uma revista irmã em parceria com a Egg, a LOVEggg. A Egg, que não é boba nem nada, também lançou canal no YouTube que atualiza quase todos os dias, regravou uma música clássica do para-para e reinventou a coreografia. E eles não têm vergonha: falam de sexo abertamente nas páginas. Estaria o gyaru se ressuscitando?

Não, não está. Na verdade, o gyaru nunca esteve morto. A lei universal das subculturas é: tudo o que entrará no mainstream, voltará a ser underground. Foi assim com os hippies, os punks, o grunge e o emo. Aquela clássica frase "punk is not dead" se aplica exatamente da mesma forma para o gyaru, e costumo dizer que elas são o punk do Japão: nasceu, chocou, cresceu, o capitalismo estragou, voltou a ser subcultura. A moda está sempre passando por mudanças e nenhum estilo se sustenta pra sempre no meio popular, bem como haverá evoluções nas subculturas, ou vocês acham que os góticos de hoje são os mesmos dos anos 80? 

Agora, preciso dar um puxão de orelha em vocês que falam que "tem vontade de usar estilo x, mas não é mais tão popular": vão necrosar esperando ser popular. "Ah, mas hoje em dia só tem a MA*RS de marca gyaru", "a comunidade gyaru brasileira morreu", "não tem ninguém pra usar comigo"; Brasil, gyaru não é lolita. Qualquer short jeans com uma "brusinha" bacana monta um outfit, contando que a maquiagem esteja no estilo. Eu acho pin-up MUITO mais trabalhoso e difícil que gyaru, tanto em maquiagem quanto em roupa e cabelo. Para de ser fresca, bicha, tira esse jeans rasgado do armário e passa uma loção bronzeadora! E ninguém precisa se montar de gyaru todos os dias, nem de estilo nenhum! Já falei sobre esse assunto aqui.

QUANTO À MIM

Eu era só uma pré-adolescente entrando na adolescência quando gyaru bombou. Estava frustrada por não poder comprar roupas lolita, então tentei gyaru. Se alguém checou o blog que linkei no começo do post ou já o conhecia (porque tenho leitores no Boudoir que acompanharam essa fase), devem ter percebido que eu tinha bastante preconceito com manba, ganguro e outros sub-estilos mais chamativos. Hoje sou o contrário: himekaji e o que era mostrado na Popteen da época me atraem bem pouco e ando preferindo agejo, rokku e onee. 

Em 2014 comprei uma edição da Popteen no Bairro da Liberdade, de março daquele mesmo ano, e agora consegui uma Egg de julho de 2013. Também comprei, no mesmo dia e uma semana antes de comprar a Egg, duas caixas de cílios postiços no eBay (uma com 5 pares superiores e outra com 10 inferiores). Agora estão na minha lista um pó de contorno clarinho, batom rosa-pêssego, loção bronzeadora que sai no banho, base alguns tons mais escuros para não brigar com o bronzeado fake e máscara de sobrancelha loira para conseguir usar uma peruca que tenho guardada há um tempo. Coisas que jamais pensei que iria comprar! 

Inicialmente, eu não queria me envolver mais com gyaru porque me sustentar como pin-up já é muito caro e mal estou dando conta dele. Porém, diferente de 7 anos atrás, eu tenho algum trocado para comprar maquiagem, melhor habilidade com cílios postiços, um guarda-roupa maior que foi montado aos poucos e mais maturidade. Comecei a dançar para-para e estou aprendendo minha terceira coreografia na segunda semana! 

Não tenho a menor intenção de parar com o pin-up e a meta é crescer minha coleção de roupas retrô cada vez mais, ainda tenho muitos planos voltados à isso e me vejo no estilo daqui a 30 anos. Mas eu sempre soube que não teria nenhum contrato de exclusividade com o pin-up exatamente porque me tornei uma pessoa alternativa na moda japonesa, e gyaru sempre esteve vivo no meu coração e lifestyle (só veja as minhas coisas; tem um gadget no decoden). Quero também vestir classic e punk lolita, reproduzir roupas do século 18, e tentar coisas novas no futuro. Eu vou ser pin-up em um dia, gyaru no outro e assim por diante. Versatilidade é bom pra saúde do coração. 

Planejo ressuscitar o Gyaru Start, mas mais provavelmente no YouTube exatamente pra ajudar a divulgar o estilo, e usar o blog como um complemento para o conteúdo... E apagar postagens vergonhosas também. Embora eu acredite que seja possível seguir um estilo sem ninguém pra te acompanhar (faço isso a vida inteira), quero ver a comunidade brasileira voltando à ativa e farei o que estiver ao meu alcance pra isso acontecer. 


E isso é tudo pessoal! Sei que o post ficou enorme, mas é cultura, hahaha. Quem aqui já conhecia gyaru? Ficou curioso sobre o estilo? Querem mais posts sobre? Me contem tudo!
Beijinhos!

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